As duas aves foram devolvidas à natureza equipadas com emissores GPS e estão a ser seguidas à distância há quase dois meses.
Estes milhafres-reais, ainda juvenis, tinham dado entrada com suspeitas de intoxicação ou envenenamento no CRASSA – Centro de Recuperação de Animais Selvagens de Santo André, que é gerido pela Quercus.
A 10 de Abril, foram devolvidos à natureza nos terrenos da Estação Ornitológica Nacional, gerida pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas. Tal como o CRASSA, esta estação faz parte da Reserva Natural das Lagoas de Santo André e da Sancha.
As duas aves foram equipadas com emissores GPS, no âmbito do LIFE Eurokite, e têm sido seguidas à distância pela equipa ligada a este projecto internacional financiado por fundos comunitários, que está a trabalhar para a monitorização e conservação do milhafre-real em vários países europeus.
O milhafre-real (Milvus milvus) é uma das aves de rapina mais ameaçadas em Portugal, onde têm sido detectados casos de envenenamento. A população nidificante, que se reproduz no país, é considerada Criticamente em Perigo. Quanto aos milhafres que apenas passam o Inverno em Portugal e se reproduzem noutros países da Europa, estão em situação Vulnerável.
Uma estreia migratória
Alfonso Godino, da associação espanhola AMUS – Acción por el Mundo Salvaje, uma das entidades parceiras do LIFE Eurokite, explicou à Wilder que um dos milhafres-reais libertados em Abril terá feito o seu primeiro percurso migratório neste Inverno, uma vez que se trata de um macho que provavelmente nasceu no ano passado.
Depois de ficar até final de Abril no Baixo Alentejo, este macho atravessou a Espanha toda em poucos dias, passou por cima dos Pirinéus Ocidentais, e chegou a França a 10 de Maio, contou Alfonso Godino à Wilder. No final do mês, o milhafre já estava próximo da fronteira com a Suíça.
“Provavelmente ainda continua em direcção a nordeste e a sua zona de origem será um bocado mais para o norte.” Contas feitas, se voasse em linha recta, esta ave terá feito pelo menos 1.500 quilómetros. Na realidade, terá voado um pouco mais.
Maior ainda foi a distância que o segundo milhafre já percorreu: cerca de 2.000 quilómetros até aos últimos dias de Maio, se o caminho fosse medido da mesma forma. Alfonso Godino avança que essa ave, outro macho, terá nascido em 2019 e por isso “muito provavelmente esta terá sido a sua segunda viagem migratória”.
Mil quilómetros em apenas dois dias
Depois de passar para Espanha, onde permaneceu quase três semanas, este milhafre-real terá feito cerca de 600 quilómetros num só dia, já em território francês. De seguida atravessou o centro de França, a Bélgica e o sul da Holanda. “E no dia 9 [de Maio] de manhã entrou na Alemanha, 70 quilómetros a Oeste da cidade de Colónia”, descreveu Alfonso Godino.
Nessa mesma data, “depois de ter percorrido 1000 quilómetros em apenas dois dias”, esta ave chegou a uma área próxima da cidade alemã de Bremen e da fronteira com a Holanda, “onde parece que pode ter um território”. Ainda assim, devido às datas e à idade, a equipa do projecto não acredita que este milhafre esteja já pronto para nidificar.
O que se sabe também é que as duas aves terão voado apenas durante o dia, uma vez que os milhafres – ao contrário de algumas espécies, como os andorinhões – repousam sempre durante a noite.
Alfonso Godino suspeita de que nas deslocações mais rápidas e compridas, como por exemplo os 1000 quilómetros feitos em dois dias, as aves “não devem ter parado para comer”. Já nas paragens de um ou mais dias terão aproveitado para se alimentar, “provavelmente em áreas com uma alta disponibilidade trófica (de alimento) ou locais com muitos coelhos, aterros sanitários ou outros.”
Dentro de alguns meses, na época de Outono, estes dois milhafres deverão regressar a território português. Embora as datas dependam do clima e de outros factores, “é muito provável que no mês de Novembro já estejam de volta ao Alentejo”, acredita Alfonso.
Nos próximos anos, está previsto que sejam marcados mais milhafres-reais em Portugal, no âmbito do LIFE Eurokite. À partida, o projecto europeu deverá ainda disponibilizar mais 10 a 15 emissores GPS, no âmbito de um esforço que tem estado a ser feito em diversos países.
Tudo vai depender da localização de milhafres-reais que pertençam à população que se reproduz em Portugal, considerada prioritária, pois sabe-se pouco sobre essas aves. Mas também deverão ser marcados outros milhafres da população invernante, como sucedeu com estes dois primeiros.